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Grande Entrevista Pedro Gonçalves

2014-02-18

GRANDE ENTREVISTA PEDRO GONÇALVES

Diário Económico / Antena 1
17-02-2014

Pedro Gonçalves é um gestor com carreira no sector da construção.
Em 2011, deixou a liderança da Soares da Costa e, meses depois, lançou o fundo Vallis que conseguiu o controlo de um conjunto de construtoras em dificuldades perante os efeitos da crise. Hoje, a crise ainda não terminou e Pedro Gonçalves admite novas aquisições. O gestor defende a internacionalização como o único caminho para as construtoras. Sobre as obras públicas estratégicas, lamenta a falta de aposta na ferrovia e tem dúvidas sobre os modelos de PPP no futuro.

Como é que se faz para pôr empresas praticamente falidas a pagar dívidas e a gerar lucros?

Manda a verdade dizer que algumas das empresas estavam numa situação que não gostaria de chamar de pré-falência, mas para lá caminhariam, outras nem tanto. E no fundo [Vallis], o racional que está presente no projecto está relacionado com a falta de massa crítica que identificámos nas empresas do sector da construção para poderem abraçar o único caminho possível para a recuperação: a internacionalização. Grande parte dos problemas do sector da construção em Portugal decorre de uma excessiva pulverização. Todos os movimentos que existiram para agrupar empresas foram consciente ou inconscientemente combatidas pelos próprios agentes do sector, muito ao jeito daquela máxima: "prefiro ser rainha por um dia do que princesa toda a vida”. E muitas destas empresas, quando em 2011 são atingidas em cheio pela crise, não tinham musculo, não tinham gestão, não tinham massa crítica para poderem fazer essa viragem no seu ângulo de negócio.

Comprou mais barato também. Em crise…

Independentemente do valor da compra, houve sobretudo a motivação dos accionistas. Poderá ter havido uns casos em que as circunstâncias os empurraram, mas houve casos em que a razão não foi essa. Os accionistas olharam e disseram: "não o conseguimos trilhar sozinho o caminho que está para a frente”.

Foi também a questão da banca? Há quatro bancos envolvidos no fundo.

A banca suportou de dois pontos de vista. Num primeiro, financiou o fundo, criando as condições para que o fundo adquirisse as empresas. Criou condições para uma reestruturação da dívida segundo um plano de negócios que nós traçamos. Num segundo, criou mecanismos de apoio, como garantias bancárias, à reestruturação no momento imediato. Em 2013, o grupo Elevo pagou algumas dezenas de milhões de euros quer em juros, quer já em amortização. Foi um esforço significativo. Em 2011 admitíamos que tivéssemos atingido o ponto mais baixo do sector, mas a verdade é que isso não tinha acontecido. O processo de ajustamento do sector da construção prolongou-se ainda durante 2013 e creio que só em 2014 é que podemos encontrar um quadro referencial daquilo que serão os próximos anos.

Qual é esse quadro referencial?

É um quadro do volume de produção do sector que creio que ainda poderá ter uma flutuação no sentido descendente mas que já não será tão significativa como nos anos anteriores. No sector público não se notam nenhuns sinais de retoma de investimento. No sector do imobiliário turístico começamos a ver alguns sinais de retoma de projectos que estavam na gaveta. Teremos atingido aquilo que será para os próximos anos o volume de produção do sector da construção. Claro que estamos a falar de um volume muito abaixo do ponto onde estávamos há quatro anos atrás.

O mercado encolheu para metade?

Menos de metade.

O Governo devia abrir algumas portas em mercados estrangeiros para as empresas nacionais?

Quem faz os negócios são as empresas, não são os Estados nem são os governos. Se as empresas não fizerem o seu trabalho na identificação das oportunidades de negócio, na criação de relações nos países, pode haver muitas visitas de Estado, muitas missões empresariais, que não será por isso que as empresas vão ter sucesso nos negócios. O papel do Governo começa por um trabalho de casa no próprio país. Ouvimos falar de uma revisão do regime fiscal, em sede de IRC e de Segurança Social, dos colaboradores em regime de expatriação ou em trabalho no estrangeiro, que foi uma matéria que nunca foi feita. Os sucessivos governos têm sido relativamente cegos aos instrumentos para ajudar à competitividade das empresas.

Isso está a acontecer na construção?

Não há num sentido estratégico para a construção. Há países que o Estado português tem privilegiado na diplomacia económica. Alguns desses países representam oportunidades para o sector da construção, como a Venezuela.

O fundo admite mais aquisições?

A massa crítica mínima para construir o projecto de consolidação existe. O nosso objectivo não era o volume de activos sob gestão, a dimensão, era termos uma base industrial equilibrada para conseguirmos construir um novo grupo de construção com as valências todas e muito multidisciplinar. Isso conseguimos com estas quatro empresas [Edifer, Monte Adriano, Hagen e Eusébios]. Não fechamos as portas a que possam surgir algumas oportunidades que nos tragam competências ou reforço de presença nalgumas geografias que consideremos interessantes. Mas a fase mais proactiva foi a que nos permitiu criar esta base. Estamos a falar de um grupo que este ano facturará mais de 500 milhões, que era o mínimo para ter sucesso.

Está atento a aquisições no estrangeiro?

Não. Estaremos sempre a falar de empresas com origem e sede em Portugal.

A internacionalização do fundo Vallis tem-se focado em Angola e Moçambique. São mercados ainda com potencial ou há necessidade de abrir outros mercados?

As duas perguntas têm resposta afirmativa. Qualquer um dos dois mercados tem um enorme potencial. Angola tem vários tipos de riquezas, desde logo as naturais. Já passou por um ciclo da infra-estruturação básica mas está muito por fazer nas redes de energia, saneamento, água. Há ainda muito por fazer no domínio da habitação e no desenvolvimento das províncias. Moçambique está a iniciar esse processo, seguramente com características diferentes de Angola. A disponibilização de recursos que ocorrerá com o início da exploração de um conjunto de riquezas, como o gás, vai permitir esse desenvolvimento. No entanto, as empresas, nomeadamente do sector da construção, não devem incorrer no erro de substituir os problemas da dependência do mercado nacional pela dependência de um único mercado internacional. Hoje, no nosso caso e se calhar noutros, Angola tem um grande peso no volume de negócios…

Vale quanto? 50%?

Valerá entre os 30% e os 45%. Num grupo do nosso perfil, o desejável é que um determinado mercado não ultrapasse os 20%, 25% do nosso portfólio.

Quais são as alternativas?

África como um todo. Para as empresas portuguesas, a experiência de trabalhar nos países africanos de língua portuguesa dá-nos a realidade de um continente, ainda que cada país tenha as suas características. Nós estamos hoje a iniciar projectos no Gabão, estaremos também muito em breve no Senegal, estamos em prospecção na Zâmbia. No decurso deste ano, estaremos a iniciar trabalhos de constituição de uma empresa na Guiné Equatorial. Tudo geografias africanas para onde procuramos transportar, salvaguardadas as características próprias de cada país, esses traços da realidade africana, sobretudo ao nível da logística e industrial. Sabemos os problemas tivemos nos anos em que Angola não tinha a cadeia logística que tem hoje. Portanto, conseguimos adaptarmo-nos nestas geografias áquilo que temos que fazer. Em alguns casos há também proximidades geográficas. Nós estamos a fazer o desenvolvimento nos países da costa ocidental africana a partir da nossa base industrial de Cabo Verde.

Recentemente foi divulgado o estudo que propõe as obras públicas estratégicas para Portugal até 2020. Parecem-lhe as prioridades correctas? E sente que será motivo para as construtoras voltarem a apostar no mercado nacional?

Começando pela segunda questão, no meu grupo, se eu tiver alguma tentação de o defender, espero que haja alguém que me trave. Não acredito que isso vá acontecer, pelo menos ao nível dos principais ‘players’ do sector. No caso do nosso grupo, não vamos alterar uma vírgula no plano que traçamos para os próximos cinco anos.

Aprenderam a lição com a crise do país?

Eu aprendi a lição e espero que muitos outros também. Tenho ouvido falar muito do tema da emigração e é fácil de falar em abstracto. Eu estou todas a semanas numa das nossas operações internacionais, portanto estou com os expatriados, partilho as angústias pessoais, as dificuldades que se criam nas relações familiares. Portanto, tenho por esse tema sentimentos repartidos, em termos empresariais, o caminho é os mercados externos, mas tenho perfeita noção do impacto severo nas relações familiares e até de alguma desestruturação social no país.

Mas não haverá interesse das empresas nacionais em oportunidades que venham a surgir no mercado português?

Haverá seguramente. Agora não pode representar um entusiasmo incontrolado como aconteceu noutros momentos. Não acredito que se volte a repetir o fenómeno das empresas do sector da construção entrarem em áreas de negócio para as quais não tinham competência, nem vocação, unicamente em nome das sinergias criadas com a área da construção. Se olharmos para Espanha, acontece algo idêntico: muitas construtoras alargaram a sua área de negócio e hoje recentram-se na actividade da construção.

E o estudo define as prioridades correctas?

Há claramente uma alteração de orientação face ao que vimos em anos anteriores. Olhando para os projectos elencados como prioritários, sobretudo os primeiros 15, estão focados na vertente portuária ou marítima e na lógica exportadora. E na ferrovia também. Alguma coisa na ferrovia, mas também ligada à lógica marítima. Não sei se não haverá algum excesso de entusiasmo sobre o ciclo exportador que estamos a viver. Vejo como positivo a desvalorização da rodovia. Temos consciência que o investimento que foi feito na rodovia foi além do necessário. Tenho pena que, apesar de haver alguns investimentos no sector ferroviário, ainda é o parente pobre. Portugal já esteve em séculos anteriores na linha da frente do transporte ferroviário, hoje – tirando os meios urbanos – está praticamente perdido, seja nas mercadorias, seja nos passageiros.

O Estado continuar a ser um mau pagador?

O ciclo do país nos últimos três anos, as medidas que foram tomadas, criou alguma convicção de que essas situações não se repetem.

Estamos a voltar à moda do betão? Grande parte do financiamento será de fundos comunitários, será que não podemos alocar esse dinheiro a outra área?

O próprio termo é exemplo da excessiva politização. Isto não é um plano do Governo, é um documento de trabalho, e deve servir para uma discussão alargada. Porém, está a transformar- se em mais uma arma de arremesso. Independentemente do trabalho ter sido promovido pelo Governo, envolveu entidades que não têm nada a ver com a área pública e que são forças vivas da sociedade portuguesa, portanto era bom que se procurassem obter consensos. Não há problema nenhuma se voltarmos ao betão. Temos hoje infra-estruturas que ninguém põe em causa a sua utilidade, são factor de desenvolvimento. Infelizmente, temos outras que são dispensáveis. Relativamente aos fundos, o problema é o mesmo. Não é só no betão que eles são mal utilizados.

Sente disponibilidade para o sector privado financiar as obras estratégicas, nomeadamente através das PPP?

Não sei se o modelo será de PPP. Mesmo que seja, vão ter de lhe arranjar outro nome porque assim que se fala em PPP já ninguém vai querer olhar para elas. Vai haver pouca disponibilidade para modelos que sejam suportados pelo pagamento de rendas pelo Estado. A desconfiança está cá. Não é uma desconfiança quanto à capacidade do Estado pagar, mas se haverá um período duradouro sem alterações das regras do jogo. Vão existir muitas dúvidas em projectos baseados numa lógica de rendas. Agora, acredito que haverá projectos que tenham rentabilidade, mesmo que seja a longo prazo, e que sejam geradores de receitas próprias. Embora, mais uma vez, temos de criar um enquadramento para os negócios: fiscal, no funcionamento da justiça e político. É necessário que se sinta que há uma linha de fronteira que não é cruzada no jogo político que coloque em causa as expectativas legítimas de quem investiu, sejam eles estrangeiros ou portugueses.

As construtoras, a banca e o Estado aprenderam com os erros cometidos na última vaga de PPP?

Do lado do sector privado, os promotores – construtores ou não – e a banca, acredito que sim. Os governos têm um ciclo de quatro anos e daí a referencia que fazia da importância de se criar um pensamento comum e alinhado. Olhando para as afirmações e a prática deste mandato, bem sei que num quadro de cumprimento do memorando da ‘troika’, tudo aponta para uma mudança de paradigma. Seria importante que no arco do poder haja um entendimento semelhante.

Sente que a banca está disposta a entrar em novas PPP cobrando taxas que permitam a rentabilidade do projecto ou vão pôr um prémio de risco tendo em conta o que aconteceu no passado?

Cada caso é um caso. A questão fundamental para os bancos é uma: olharem para o modelo de negócio e percebem se vão receber o seu dinheiro.

E como estão os processos de renegociação das anteriores PPP?

O nosso envolvimento mais directo, aquele em que temos mais percentagem no consórcio, são os dois projectos que vieram através da EDIFER – Baixo Alentejo e Algarve Litoral. São também aqueles em que a construção estava mais atrasada. Portanto, havia a possibilidade de redefinir o seu âmbito. Além disso, não havia a pressão de já estarem no ciclo em que o Estado tinha de pagar as rendas. Houve um memorando de entendimento que já está assinado há algum tempo e que define o âmbito, estamos a finalizar os termos e posso dizer que temos os bancos muito alinhados. Temos depois participações com menor expressão nas concessões que são lideradas pela Ascendi. Aqui o grau de acompanhamento é menor porque são participações minoritárias.


Veja aqui a entrevista na íntegra



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