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"Se nos pagarem vamos reinvestir 50% da dívida no agro-negócio"

2018-10-05

Lidera um grupo que resulta da fusão de nomes fortes da área da construção, nomeadamente a Edifer, a MonteAdriano, a Hagen e a Eusébios. Sendo este um dos sectores mais afectados pela crise, que futuro perspectiva para o grupo Elevo?

Aqui em Angola estavam presentes o Grupo Edifer, o MonteAdriano e o Eusébios. Das empresas que saem da fusão em Portugal criou-se a ELEVO Angola e continuou a Edifer Angola. E, portanto, temos um cenário que é o antes da Elevo Angola e o depois com a Elevo Angola e a Edifer Angola, empresa que tinha um sócio angolano. Quando este era um mercado rico, com muitas opções, a anterior administração nunca entendeu fundir os grupos. Com a redução do trabalho não faz sentido ter duas empresas de construção que são concorrentes no mercado.

Quando chegámos aqui disse ao grupo GEMA que ou nos compram ou nós os compramos. Decidiram então vender a parte deles e hoje somos detentores a 100% da Elevo Angola e da Edifer Angola. E estamos agora num processo de reestruturação com vista a fundir as duas empresas.

Como é que estão questões como as dívidas do Estado?

Há divida à Eusébios, muito antiga, divida à Edifer, também muita antiga, à MonteAdriano, muito antiga, e à Elevo, já mais recente, e à Edifer Angola, também mais recente.

Quando falamos de dívidas mais antigas estamos a falar de quando?

Aí por 2010 e 2013.

Mas em cima da mesa na recente visita do primeiro-ministro português a Angola só estavam dívidas a partir de 2014...

Aí é que está a questão. É que fala-se muito na certificação da divida, eu acho que o trabalho diplomático do governo português junto das autoridades angolanas deve passar em primeira instância por resolver o problema da dívida que está nos ministérios e nos governos provinciais.

Porque senão não se resolve e ficamos sempre com o problema por resolver. E não estamos a discutir os critérios da dívida, se é em kwanzas ou em dólares, ou o pagar à taxa de cambio de há cinco anos. Não chegámos a essa parte. Chegámos à parte em que eu, empresa portuguesa, tenho esta dívida nestes ministérios ou governos provinciais e preciso de ter uma dívida reconhecida e reconciliada...

Mas quando o ministro das Finanças, Archer Mangueira, diz que estão a negociar com as empresas, o grupo Elevo já foi chamado?

Já fomos chamados e já acordámos em 4 milhões de euros, mas temos uma dívida [por receber] que são 160 milhões de euros. Acordámos o equivalente a quatro milhões de euros, 1,3 mil milhões Kz, mas falta resolver tudo o resto, ou seja, 95% da divida.

Qual é o valor da divida global?

O valor da divida global é 41 ou 42 mil milhões Kz. Dá 150 a 160 milhões USD. Repartindo nesta panóplia de empresas que referi. Para se resolver o problema entendemos não levar, embora fosse um direito nosso, nada de taxas de juros. Já só queremos receber dívida.

Que impacto têm estes atrasados na globalidade das vossas empresas?

As dívidas não estão circunscritas aqui a Angola, estão consolidadas no grupo em Portugal. Como não entrava dinheiro, era preciso ir buscar dinheiro à banca portuguesa para financiar as operações. A minha dívida está lá, eu tenho que pagar aos bancos. Tenho que honrar os meus compromissos lá. Se eu fizer um haircut à dívida, em que a dívida desaparece, depois tem impacto no lado de lá [em Portuga], onde os bancos não vão perdoar. É preciso perceber que tem impacto ao nível do balanço. Um perdão de dívida aqui impacta logo nos capitais próprios da empresa em Portugal. É preciso ter aqui muito cuidado na forma de gerir isto.

Já lhe foi proposta alguma forma de pagamento dessas dívidas?

Até agora foi certificado o valor. A forma de pagamento ainda não. A solução tem que ser:

primeiro reconciliar as dívidas, depois certificar a dívida, com critérios, e por fim chegar a um entendimento como é que se deve pagar. Acho que para este esforço é fundamental o empenho do governo português no sentido de ajudar a pôr alguma pressão para que se resolva o problema.

Mas estará disponível para negociar valores ou formas de pagamento?

Entendemos que as empresas são seres vivos e portanto passíveis de serem flexíveis e ajustáveis à realidade dos países. Somos uma empresa de construção mas temos capacidade para diversificar.

Portanto, hoje entendo que uma forma de ajudar a economia de Angola é usando essa dívida, e essa dívida ser promovida em prol da economia.

De que forma?

Se nos pagarem estamos predispostos a reinvestir 50% do valor da dívida em áreas como o agronegócio e investir no resto do País. Ao reinvestir criamos emprego, negócio, pagamos impostos, e portanto também me ajuda a contrabalançar os impactos que possam existir junto do nosso balanço lá em Portugal. É uma forma diferente de olhar para o assunto. E o Estado acaba por poder resolver um conjunto de problemas, muitas vezes associados à falta de moeda forte. Com isto acaba por aumentar a produção interna e aliviar muitos dos assuntos que são tema todos os dias. Temos apetência para poder encontrar soluções, mais ou menos criativas para resolver o nosso problema e que ajude o Estado a resolver o seu problema.

Mas porquê o agro-negócio?

Acho que este é um dos caminhos. Parte desse dinheiro, em vez de sair de Angola, é reinvestido, vai gerar, emprego e negócio. Como se sabe, há recessão no sector da construção, há muita gente desempregada que pode ser facilmente adaptada a uma nova realidade. O agro-negócio não é só a produção agrícola, também tem toda a parte de infra-estruturas, estradas, centros de distribuição, há muito negócio dentro do agro-negócio e portanto estamos dispostos a investir com parceiros angolanos. Temos já conversas aprofundadas com um grupo angolano no sentido de sermos sócios. A realidade do agro-negócio exige que tenhamos um parceiro que seja profundamente conhecedor da realidade do País. Não é a mesma coisa que estar a fazer um prédio no meio de Luanda.

Já definiram uma região onde investir?

Estamos a discutir ainda. Há três áreas críticas para a economia. Uma delas é o milho e a soja, outra é a área associada à produção de carne, e outra área associada à produção de frango e ovos.

Temos que enquadrar isto bem. Estamos a olhar para três ou quatro províncias, mas vamos investir no leste do País. Tendo em conta a crise financeira do País, acha que vai conseguir receber essa divida? O Estado angolano é uma entidade de bem. Pretendemos primeiro reconciliar a dívida, depois tem que encontrar mecanismos para a certificação da dívida. Já o pagamento da dívida percebemos que a economia está em recessão. Tendo a dívida certificada temos que encontrar os caminhos para o pagamento. E depois há vários caminhos, há caminhos nacionais e internacionais. Os nacionais proponho que a nossa dívida seja paga em sete anos.

Com uma vantagem grande para o Estado, é que se a dívida ficar certificada em kwanzas, mesmo que deprecie ou aprecie não tem impacto. Há outras soluções internacionais como vender a dívida a um fundo e depois esse fundo trata. Há outras soluções como o Estado pagar com títulos do tesouro, ou outra solução como compra de activos.

Qual é o peso desta divida de Angola nas contas do grupo?

No grupo facturamos 100 milhões USD por ano em Angola, e 700 milhões em todo o mundo.

Portanto, estamos a falar de 160 milhões USD de dívida, que representa quase dois anos de facturação. Dívida que está consolidada e auditada e também existe dívida no mesmo montante à banca portuguesa porque se o dinheiro não entrou aqui, teve que entrar de outro lado.

Para este ano quanto é que pensam facturar?

Vamos conseguir chegar aos 100 milhões USD. Temos aqui 1.200 pessoas a trabalhar connosco, angolanas. Quando comprámos 100% da Edifer reduzimos aqui algumas pessoas dos escritórios.

Neste momento não vamos reduzir mais. Já facturámos aqui 300 milhões. É a crise. Hoje o que é que está a mexer mais? Está a mexer projectos de irrigação, em que somos empreiteiros, estamos a fazer muita coisa para os sul-africanos na rede de supermercados e distribuição.

Como é que olha para o mercado angolano actualmente?

A diversificação não pode ser um chavão político, porque tudo o que é feito de forma central, promovido pelo Estado não está orientado para o insucesso, mas está orientado para demorar mais tempo. Se forem os agentes económicos, os empresários, a fazer a diversificação, ela é [feita] mais depressa. O que é que o Estado deve fazer? É só regular. E os empresários depois, se se sentirem confortáveis com este tipo de regulamentação, investir. Quando estamos nos países temos que estar nos bons e nos maus momentos. Nós não estamos de visita, estamos aqui para ficar. Temos aqui as pessoas, os estaleiros, os equipamentos. Portanto qual é o desafio que se coloca às empresas? É adaptarem-se à realidade. Nós estivemos aqui no "boom" da construção.

Se eu quero ter uma facturação de 100 milhões USD ao ano eu tenho que ir à procura de negócios. Esse tipo de facturação exige que nós estejamos comprometidos com o País. Não é minha intenção abandonar Angola, mas sim investir cá. E é preciso que o Estado também me queira cá.

"Empresas só vêm se tiverem garantias de pagamento"

Como empresário que lhe parece a entrada do FMI em Angola?

Num momento em que o FMI [está em negociações de um programa de assistência financeira a Angola], o paradigma das contas públicas e da forma como se olha para o País muda. O grau de transparência e de rigor muda. Essa mudança de paradigma é muito importante para a credibilização da economia. O Estado angolano deve querer aqui outros parceiros que não sejam só empresas portuguesas, quer aqui os ingleses, os franceses, os espanhóis e os americanos. Essas empresas só vêm para África se tiverem garantias de pagamento, se houverem modelos de compliance, portanto é preciso o FMI vir para credibilizar. Portanto o caminho para a resolução da divida deve ser visto caso a caso, empresa a empresa, mas tem que ser feita na medida em que contribui também para o crescimento do País.

Do lado português vai haver pressão?

Acho que vai haver bastante pressão política e diplomática para resolver o problema. Não é possível vir aqui a Angola fazer os comentários que foram feitos, dos dois lados. Sabemos que o reforço da linha de crédito portuguesa também está muito agarrado à resolução deste problema.

Por aquilo que me foi dado a saber, o crédito só é libertado se for resolvida a questão da divida. A exposição das empresas e do Estado a Angola não pode continuar a subir continuamente e é preciso diminuir o risco.

E de obras privadas, também têm divida a receber?

Temos aí mais uns 50 a 70 milhões USD por receber de obras privadas, algumas paradas e outras a andar. Está muito associado à ausência de dinheiro do Estado. A banca está a financiar o que consegue financiar. Temos relação saudável com a banca, mas que tem limites muito controlados ao nível do crédito. E há aqui outra coisa, a divida bancária do sector é muito conservadora porque o sector da construção é considerado pouco sexy. Não é um sector muito apetecível.

(entrevista publicada na edição 493 do Expansão, de sexta-feira, dia 5 de Outubro de 2018, disponível em papel ou versão digital)



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